Luis Carlos Sabadia: o Museu da Indústria e a gestão da memória industrial cearense

Gestor cultural une tradição e inovação à frente de um dos principais marcos da FIEC no Ceará

10:12 | 23 de Sep de 2025 Por Lucas Casemiro
Luis Carlos Sabadia: o Museu da Indústria e a gestão da memória industrial cearense

O Museu da Indústria do Ceará, iniciativa da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) e do Serviço Social da Indústria (Sesi), é um espaço que conecta cinco séculos de desenvolvimento industrial cearense ao presente e ao futuro da inovação. Instalado em um prédio tombado do final do século XIX, no centro histórico de Fortaleza, o museu traduz a força da memória e da identidade industrial, ao passo em que se abre para novas perspectivas de tecnologia, cultura e conhecimento.

À frente desse patrimônio desde 2014 está Luis Carlos Beltrão Sabadia, que atua com gestão cultural, incentivos fiscais à cultura e economia criativa. Gestor de espaços culturais, atua também na concepção, viabilização e gestão de projetos culturais para instituições públicas e privadas. Aos 59 anos, é formado em administração e pós graduado em gestão cultural. Foi consultor do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), diretor de ação cultural do Centro Dragão do Mar e presidente da Câmara Setorial de Economia Criativa, ligada à Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece).

Sabadia atua ainda na política cultural em conselhos deliberativos, como Conselho Estadual de Políticas Culturais da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult Ceará) e do Conselho de Administração do Instituto Cultural Iracema (ICI), da Prefeitura de Fortaleza. Uma trajetória que evidencia o equilíbrio entre preservação da memória e a busca constante por inovação.

Representando a Confederação Nacional da Indústria (CNI) na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) do Ministério da Cultura, Sabadia reforça, também no âmbito nacional, a relevância das indústrias na promoção da cultura e do desenvolvimento social. Como gestor do Museu da Indústria, sua missão dialoga diretamente com a visão da FIEC: valorizar a história, fortalecer a identidade e projetar o setor industrial cearense para o futuro.

Em entrevista ao O POVO, Sabadia fala, entre outros temas, sobre sua trajetória na gestão cultural e os aprendizados que o conduziram à liderança do Museu da Indústria, bem como ressalta o papel dos museus na preservação da memória, na valorização dos trabalhadores e no diálogo com as novas tecnologias. Confira! 

 

O POVO – Luis Carlos, olhando para sua trajetória, quais experiências o trouxeram até a gestão do Museu da Indústria?

Luis Carlos Sabadia – De forma muito resumida, o que me trouxe até a implantação e gestão do Museu da Indústria, nos últimos 11 anos, foi minha experiência de trabalho em grupo econômico industrial privado, combinada com minha experiência na gestão do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, através de uma organização social. Um foco em trabalhar com serviços que são essencialmente públicos, no sentido da oferta e a quem se destina, mas que tem a força de gestões privadas.

 

OP – Que aprendizados de sua carreira você acredita terem sido fundamentais para o trabalho de preservar e difundir a memória industrial cearense?

LCS – A indústria é multifacetada. Para além das relações ligadas à economia e ao desenvolvimento, a indústria se conecta com trabalhadores e suas famílias, com os territórios que habitam, com o meio ambiente e a sustentabilidade. Desta forma, escutar estes diversos ambientes e as pessoas que os fazem é fundamental. A escuta se torna, assim, um dos aprendizados fundamentais neste processo. Outro aprendizado é entender que a memória nos serve como balizadores para pensar o futuro. 

 

OP – Na sua perspectiva, qual é a importância do Museu da Indústria para a identidade cultural e econômica do Ceará?

LCS – Mais que preservar e difundir a memória industrial cearense, o Museu da Indústria é importante na ampliação do conhecimento dos processos industriais no dia a dia das pessoas, que é muito maior do que elas imaginam; e como as pessoas podem e devem se beneficiar dos avanços industriais. O Museu é importante em criar pontes entre a indústria e a economia criativa. 

 

OP – Como o museu pode contribuir para aproximar a sociedade, especialmente os jovens, da história e do futuro da indústria?

LCS – Pode contribuir inicialmente com seu papel de preservar memórias, de apresentá-las a novos públicos, criando novas memórias. Contribui valorizando o trabalhador, o capital humano, despertando nos jovens empatia, respeito e identificação com essas trajetórias. O Museu estimula o interesse pela inovação e pela tecnologia; educa para a cidadania e para a sustentabilidade; cria espaços de diálogo, de participação, em parceria com escolas e universidades. Tudo isso interessa ao jovem consumidor, ao jovem que busca profissionalização. No Sistema Indústria, o SESI e o SENAI são essencialmente espaços de formação, abertos a receber estes interessados em aprender – nossa maior forma de contribuição com a sociedade. 

 

OP – Quais transformações sociais e tecnológicas mais influenciam o papel do museu hoje?

LCS – Já passamos por uma transformação social em que a visão de museus estava ligada a prédios históricos. Temos, hoje, no Brasil, museus fundamentais que estão neste formato, mas também museus importantes, construídos do zero em prédios contemporâneos, tecnológicos. Os museus, hoje, são espaços dinâmicos, interativos, conectados com as realidades contemporâneas. E a sociedade construiu estes museus e entendeu a necessidade de alterar a forma de preservar e mostrar a memória. Os museus entenderam e se apropriaram das tecnologias para alcançar mais e melhores públicos, para deixar os conteúdos mais acessíveis.

 

OP – Como você enxerga a inovação e as novas tecnologias impactando os museus e espaços culturais, especialmente em relação à indústria?

LCS – Parafraseando o compositor cearense Belchior, o novo sempre vem. A inovação e as novas tecnologias já estão nos museus, no seu dia a dia. Em um museu ligado à indústria, o papel vai além de utilizarmos as inovações e as novas tecnologias. Devemos falar delas, apresentá-las, estimular o grande público a entender estes caminhos e como será beneficiado e afetado por ele. Mas não esqueçamos que o futuro será também manual. O trabalho manual, as habilidades práticas e os saberes tradicionais continuam e continuarão a serem fundamentais na compreensão do futuro da humanidade. E eles devem estar também nos museus.

 

OP –  Que áreas estratégicas o Museu da Indústria deve priorizar para continuar relevante nos próximos anos?

LCS – O Museu da Indústria deve buscar, a cada dia, entender a indústria, seu potencial, seus problemas e as soluções propostas. Deve se aproximar destes temas; atribuir a eles um novo sentido que possa ser mais bem compreendido pelos nossos visitantes, sejam eles alunos de escolas e universidade públicas ou privadas, pais a procura de informações que possam servir para orientar seus filhos, para buscar uma carreira, ou mesmo alterar a sua própria. Como espaço cultural, nossa estratégia passa pelo vetor da Economia da Cultura, das Indústrias Culturais, da Criatividade, na construção de relações mais amplas com os processos industriais. 

 

OP – Quais são os projetos ou sonhos futuros que você tem para o museu?

LCS – Nosso sonho de futuro, nosso projeto, é bem simples: continuar criando conteúdos interessantes, pesquisar e torcer para acertar nos temas apresentados, que eles possam ser atrativos e prazerosos para os que nos visitam. Que causem impacto nas pessoas; que não sejam inócuos. Buscamos também contribuir com nosso território, o Centro de Fortaleza. Queremos florescer junto com outros equipamentos, outras iniciativas.  

 

OP – Se pudesse dar um conselho para os gestores culturais e educadores que desejam criar impacto social, qual seria?

LCS – Construam bons conteúdos. Quer sejam: um espetáculo de música, de teatro, uma exposição, um livro. Busquem pessoas que possam lhes ajudar nisso, dentro de cada campo, de cada área artística. Dá mais trabalho, mas é prazeroso e tem mais retorno. A voz do espaço cultural de que você faz a gestão, em que você trabalha, não é a sua. Ela deve ser múltipla, pois quanto mais múltipla é, mais chega às pessoas, mais impacto cria.  

 

OP – Existe algum ponto que não foi perguntado e que considera importante destacar sobre o Museu da Indústria ou sobre sua visão de futuro?

LCS – Para sempre lembrar: a cultura é fundamental porque forma a identidade de um povo, preserva sua memória, orienta ações do presente e inspira transformações para o futuro.